Clássicos de Literatura Gay
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A VERRUGA
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EXCERTOS
— Andas à procura de namorado — acudiu a outra, em voz seca. — Era tempo!
— Não é isso — ia dizendo Margarida, distraída. — Mas hás de confessar que é secante falar toda uma noite com o Joãozinho, ou com esse teu primo delegado, que parece cair da boca aos cães. Esse inglês, nada de afetado, de gasto, ou doentio. Olhou a outra de soslaio, com um mau riso que lhe fazia adejar as narinas, pálidas de súbito. E muito devagar: — Casava com ele, palavra! — Afinal, que tenho eu com isso? Por amor desse príncipe é que tu me chamaste?... Mas Margarida continuava alto: — Como será bom ter um pequerrucho de homem que se ame! Os filhos são o amor dos pais feitos escultura, e a escultura tornada vida à força de paixão. Nos pormenores dessa obra de arte — os deditos, os pezitos, as pernitas, a boquita, os olhinhos — nem um bocadinho que não seja colaboração de duas veemências igualmente sublimes — e cingia‑lhe bruscamente a cinta. — Gostavas de ter um filho? Laura então pôs‑se a fitá‑la com uma ternura infinita — os seus lábios tiveram sobre os de Margarida um leve roçar de buços loiros, uma troca de hálitos apenas suspirosos — e deslumbrada ave, vencida por um falcão, a pobre pequena ia‑lhe desfalecendo no peito, doce, muito docemente. |
— Mas tu — dizia Laura que se tinha assentado numa atitude lassa, com a sombrinha japonesa aberta sobre o ombro, e desapertando da garganta o tufo de renda da gravata — tens a certeza de amar esse rapaz?
— Certeza, certeza... — disse a outra. — E ele? Conhece‑lo? — Mal. — Tem meneios de cocotte. Ama‑te um pouco, ao menos? — Se mo disse!... — Então duvida, minha filha. — Não percebo. Duvidar!... — Pressentimentos. Não o achas frio? — Um inglês é sempre calmo. — Ator... efeminado... — Antigamente. Agora não. E é tão bonito! Sim, um quase nada contemplativo, e com feitios de rapariga... Tem a doçura dos loiros, que parece feita de músicas e langores. A voz, sobretudo. Que melodia triste, a das suas abstrações! E não lhe reparas na boca? É de noiva. E na brancura da sua pele, na ligeireza da sua cinta, eu leio a complicada anemia que faz a condenação e a divindade de um fim de raça aristocrática. Porque ele é nobre. Laura não deu resposta: tinha flechas de ciúme nas pupilas, e os cantos da boca comprimidos de perversas admoestações. Excerto do conto A Verruga. |
SOBRE O AUTOR
fIALHO DE ALMEIDA
José Valentim Fialho de Almeida foi jornalista e escritor. Nasceu em Vidigueira, no dia 7 de maio de 1857, e morreu em Cuba (Portugal), no dia 4 de março de 1911. Colaborou em diversas publicações periódicas, nomeadamente em jornais humorísticos e revistas. Entre as suas obras mais notáveis, encontram-se os cadernos periódicos Os Gatos, redigidos entre 1889 e 1894.
À direita, detalhe do retrato de Fialho de Almeida (1891) pintado Columbano Bordalo Pinheiro (fonte: Wikipédia, em domínio público) |
FICHA TÉCNICAA Verruga e outros Contos Queer, de Fialho de Almeida.
1ª edição, 2025, Revisão e notas: João Máximo, Luís Chainho e Patrícia Relvas. Copyright © João, Máximo e Luís Chainho, 2025. 110 páginas. Todos os direitos reservados. ISBN: 979-8230666981 (ebook) ISBN: 979-8308448433 (papel capa mole) |
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