ALMANAQUE CARALHALAutor anónimo
Clássicos de Literatura Gay / 26
À época da sua publicação, em 1860, este almanaque terá sido considerado erótico e pornográfico, mas nos nossos dias podemos dizer que é apenas ordinário e brejeiro, apesar de nos chocar pela frequente misoginia, pedofilia, racismo e homofobia, que exibe sem peias num texto que apresenta apenas alguns apontamentos de qualidade literária e de sátira conseguida.
Mas é também uma janela preciosa, única pela sua extensão invulgar, por onde poderemos olhar para os comportamentos sexuais e as atitudes sociais para com o sexo e a sexualidade na primeira metade do século XIX, para os tentar decifrar e compreender. Palavras e tipos sociais que desapareceram ou quase foram esquecidas (fanchono, parrameiro, bimbas, cono, gálico, fazer uma punheta de suspiro, fazer à bauché) ou que mudaram de significado (sacana, puto) surgem em pequenos contos e episódios burlescos, anedotas, epigramas, poesias ou máximas morais, clarificando o seu significado à época. Pouco depois da publicação do Almanaque Caralhal, em 1860, a ciência, a literatura e o jornalismo começaram a debruçar-se sobre a sexualidade, olhando para o sexo entre pessoas do mesmo sexo não como um comportamento, como até então, mas antes como uma patologia, a “inversão sexual”, como tão bem é ilustrado pelo Professor António Fernando Cascais no seu mais recente livro, O Marquês de Valada e a Tragicomédia da Inversão (INDEX, 2025). A transformação das perspetivas sociais sobre o sexo entre homens teria um capítulo decisivo no início do século XX, com a descoberta da penicilina, que praticamente acabou com a sífilis (o temível gálico), cujo contágio era atribuído apenas ao sexo com prostitutas (o sexo com sacanas ou putos seria seguro), aquilo a que o Professor Fernando Curopos chamou “a cura fanchona” na sua recente comunicação na conferência internacional 7th Queering Afro-Luso-Brazilian Studies (Lisboa; 2025). O sexo homossexual, liberalizado no Código Penal de 1852, mas que voltaria a ser considerado crime em 1886, seria duramente reprimido pela Igreja Católica e pelo regime autocrático do Estado Novo, e só viria a ser despenalizado quase cem anos depois, em 1982. É por tudo isto que o Almanaque Caralhal tem sido objeto de investigação académica aprofundada, por ser um documento precioso e único pela sua extensão, tanto a nível nacional como internacional, que constitui mais uma importante peça do puzzle histórico que nos ajudará a compreender melhor de onde vimos para chegar onde estamos no campo dos direitos, liberdades e garantias para as pessoas LGBTQ+. |
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EXCERTOS
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Na praia de Pedrouços!
Foi aí que eu o vi pela primeira vez; foi aí que o namorei! Que de beleza, que de encantos, que de atrativos! Julgava não haver na terra um ente assim! Uma certa esquivez que se lhe notava fazia ainda realçar mais dotes tão peregrinos e despertava mais o desejo de possuir... o seu amor!... Uma manhã convidei o meu namoro... macho, a tomar banho comigo — a despir-se na minha barraca! Acedeu ao meu pedido — dignou-se aceitar o meu convite! Que feliz manhã aquela! A aurora vinha despontando cheia de júbilo, mais risonha do que nunca! Como não havia de ser assim se ela vinha anunciar um acontecimento maior, mais extraordinário do que aquele que é fado seu anunciar?! *** Estamos nus... eu e ele! Leitor, há coisas que nem se descrevem, nem se pintam! o tal ele nu está neste caso. Que a imaginação do meu leitor supra a ausência de uma descrição impossível, a falta de uma pintura, que o não é menos. Eu, meu caro leitor, vou já terminar, porque nem posso, nem ao leitor é conveniente continuar eu a narração minuciosa do que se passou ali... junto à praia... ouvindo o suave rumorejar da vaga que se espreguiçava languidamente sobre a areia!... *** Leitor! Em casos destes... sou fanchono! — G. |
A f***
Neste mundo tudo f***, Só não f*** quem não quer O burro põe-se na burra, Põe-se o homem na mulher. F*** o gato com a gata, O pato põe-se na pata, Todos sentem seu tesão; Na égua põe-se o cavalo, Na galinha põe-se o galo, Na cadela põe-se o cão, Leva a mosca a sua f***, F*** o mosquito também, F*** o sapo e o lagarto, A mesma cobra se vem F*** o macaco a macaca, Mete a pica na buraca A vespa e a borboleta, Também f*** o carrapato, A ratazana e o rato A raposa e a gineta. (...) F*** o galego na escada A criada do patrão, F*** a freira no convento Com o padre capelão. O soldado nas tarimbas Ao galucho* vai às bimbas, Ao corneta vai ao cu; Ao garoto todo sujo Mete na boca o marujo, Um palmo de nervo cru. (...) — X. de M. (*) Soldado recruta. |
