Clássicos de Literatura Gay
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Amar, Gozar, Morrer
(autor anónimo)
Amélia, uma bela adolescente, adotada, ainda bebé, por uma jovem condessa, viúva e rica, descobre casualmente que aquela a quem chama “mãe” recebe regularmente e a sós, em sua casa, um elegante cavalheiro lisboeta. Um dia, ouvindo certos ruídos provenientes dos aposentos da condessa, decide espreitar pelo buraco da fechadura, e o que descobre deixa-a simultaneamente assustada e curiosa. A sua curiosidade levará a melhor, e as experiências e explorações em que se empenhará, a partir de então, levá-la-ão a encontrar amores e desamores, homens sensuais e mulheres lúbricas, fetiches e bizarrias sexuais, e muitas outras aventuras eróticas, numa viagem em que percorre grande parte da Europa.
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EXCERTO DO PREFÁCIO
Segundo os professores Helder Thiago Maia, Mário Lugarinho e Fernando Curopos, autores do prefácio, Amar, Gozar, Morrer, um romance escrito no século XIX por um autor anónimo, “não deixa de reproduzir a matriz de inteligibilidade heterossexual, onde o sexo entre mulheres é um objeto erótico para gozo masculino, enquanto o sexo entre homens é um objeto repugnante. Apesar disso, podemos imaginar (e desejar) que as leitoras da época, assim como Amélia, bem como as leitoras que esta nova edição encontrará, certamente produziram e produzirão linhas de fuga e leituras dissidentes em relação ao amor e às práticas eróticas entre mulheres, uma vez que a narrativa é, antes de tudo, a história de mulheres que gozam e decidem, com maior ou menor liberdade, assumindo riscos, sobre os seus próprios corpos, prazeres e vidas.”
EXCERTO
CAPITULO V.
CONSEQUÊNCIAS NECESSÁRIAS Era grave o parecer da Condessa e começava a recear que a minha curiosidade me tivesse feito perder a sua amizade. O silêncio prolongou-se ainda por algum tempo, não me atrevendo a rompê-lo. Sentia-me numa posição difícil. Finalmente, minha mãe, chegando-me para junto de si, disse-me com afabilidade: ‒ Fizeste uma grande maldade, Amélia. A tua curiosidade pode ter funestos resultados senão atenderes aos conselhos que te vou dar e que são ditados pela muita amizade que me liga a ti desde a tua mais tenra idade. Estarás tu disposta a aceitá-los? ‒ Porque não, minha mãe? Arrependo-me sinceramente do que fiz; não me perdoa? Decididamente, tinha aprendido a mentir, porque era tão ingénua a confissão da minha falta e mostrava tão contrita aparência que a Condessa se convenceu de que as minhas palavras eram a expressão sincera do que sentia no coração. ‒ Perdoo-te porque és ingénua e franca, minha filha. Ouve-me porém e não percas uma só das minhas palavras. A leitura que fizeste é a de um livro que oculta cuidadosamente o lado mau de todas as coisas. Não há ali senão prazeres e alegrias, e os tormentos e os pesares são esquecidos. Quanto são falazes esses gozos! Um momento de prazer custa sempre muitas lágrimas, muitos perigos e, muitas vezes, quantas dores. És ainda muito criança, bastar-te-á porém saber que o único tesouro da mulher é a honra. ‒ Nesse caso, minha mãe, não há possibilidade alguma de experimentar agradáveis sensações, temos que viver apenas com o desejo. Para que nos deu então a natureza um lugar de prazeres, se não nos havíamos servir dele, se nos é completamente defeso o seu acesso? ‒ Não é tanto assim, minha filha. Tens no casamento o recurso único que deves procurar. És nova demais para casar já, mas entre todos aqueles que conheces escolhe um e crê que terás um dote capaz de causar inveja a uma duquesa, e, logo que chegues a idade convincente, verás satisfeitos os teus desejos. |
Não me agradava a ideia do casamento. Parecia-me que havia o quer que fosse de servidão e não podia conformar-me com este meio de me procurar prazeres. E não teria eu uma prova evidente de que não era coisa muito agradável, vendo que a Condessa, apenas viúva, não se resolvia a casar novamente? Era óbvio ser desnecessária a santificação de uma união para que lhe gozássemos as consequências, e sem essa santificação facilmente poderíamos variar e eu sentia-me naturalmente disposta à variedade. ‒ Não me agrada o casamento, minha mãe, respondi eu à Condessa; prefiro ficar solteira, gozarei por este modo de toda a minha liberdade. ‒ És uma doidinha, minha filha. Porque imaginas perder a liberdade quanto tal caso se não dá? ‒ Sendo tão bom o casamento porque se conserva viúva? A pergunta era direta. A Condessa corou e não achou palavras com que me respondesse. O meu argumento vencera-a totalmente. Aproveitei-me desta vitória para me aproximar dela e, abraçando-a com ternura, disse-lhe: ‒ Não falemos mais nisso. Como há pouco disse sou ainda muito criança e prefiro a sua companhia à de qualquer homem. Aqui sei que sou feliz, nada me falta, e em poder de outrem não sei o que me espera. Eu beijava-a com ternura e os meus beijos eram tão apaixonados que a Condessa pareceu desconfiar que eram mais a manifestação dos resultados da leitura do que a dos sentimentos de amizade que nos uniam. Não se enganava. Naquele momento estava sob a impressão de uma das passagens daquele livro em que aprendi que duas se podiam dispensar uma infinidade de prazeres sem o concurso de qualquer homem, e naquela ocasião daria tudo para ter o grau de confiança, necessário, para o tentar. A minha imaginação auxiliava-me e notei que a Condessa estremecia ligeiramente todas as vezes que lhe beijava o seio encantador. O mais difícil estava vencido e eu, ainda que muito mais nova, reconhecia-me superior em audácia, sensualidade e inteligência, resolvendo, portanto, aproveitar-me destas vantagens. |