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eXTRATO
Na mira
"Os olhos brilhantes observam os pombos saltitando no passeio enquanto debicam o farelo atirado da janela do rés-do-chão. Os ouvidos atentos captam os sons, a cabeça girando para a direita, seguindo o velhote do quiosque que refila com a velha que alimenta os pássaros, ‘Cambada de porcos que me borram as revistas!’, vocifera, abanando os braços. Parece um helicóptero que tenta levantar voo, com os braços compridos como duas pás sacudindo o ar, tapados pelas mangas do casaco escuro e largo. O olhar curioso deteta o frenesim do homem, andando de um lado para o outro, afastando as aves.
‘Maldita velha!’, resmunga ele, regressando ao cubículo. Ajeita as pilhas de jornais, volta a prendê-las com os oitocentos e cinquenta gramas de chumbo em forma de paralelepípedo. Aos diários generalistas seguem-se os desportivos, depois os sensacionalistas e, por fim, os semanários. Alinhados, muito direitos, como se esperassem o sargento para a revista diária.
Do seu lugar, veem tudo isso, mas os olhos continuam a procurar outro alvo. Encontram-me sentada na esplanada do café ao lado do prédio. Descobrem-me a olhar para eles, com o pescoço erguido para a janela do segundo andar.
Fixos em mim, os olhos enfrentam-me sem pestanejar, num duelo silencioso. Debato-me, o coração bate mais rápido, as narinas contraem-se e sei que estou perdida. Num golpe final, surge um sorriso malicioso. Baixo os olhos, rendida.
Na mesa, deixo o dinheiro do café, e vou ter com ela."
"Os olhos brilhantes observam os pombos saltitando no passeio enquanto debicam o farelo atirado da janela do rés-do-chão. Os ouvidos atentos captam os sons, a cabeça girando para a direita, seguindo o velhote do quiosque que refila com a velha que alimenta os pássaros, ‘Cambada de porcos que me borram as revistas!’, vocifera, abanando os braços. Parece um helicóptero que tenta levantar voo, com os braços compridos como duas pás sacudindo o ar, tapados pelas mangas do casaco escuro e largo. O olhar curioso deteta o frenesim do homem, andando de um lado para o outro, afastando as aves.
‘Maldita velha!’, resmunga ele, regressando ao cubículo. Ajeita as pilhas de jornais, volta a prendê-las com os oitocentos e cinquenta gramas de chumbo em forma de paralelepípedo. Aos diários generalistas seguem-se os desportivos, depois os sensacionalistas e, por fim, os semanários. Alinhados, muito direitos, como se esperassem o sargento para a revista diária.
Do seu lugar, veem tudo isso, mas os olhos continuam a procurar outro alvo. Encontram-me sentada na esplanada do café ao lado do prédio. Descobrem-me a olhar para eles, com o pescoço erguido para a janela do segundo andar.
Fixos em mim, os olhos enfrentam-me sem pestanejar, num duelo silencioso. Debato-me, o coração bate mais rápido, as narinas contraem-se e sei que estou perdida. Num golpe final, surge um sorriso malicioso. Baixo os olhos, rendida.
Na mesa, deixo o dinheiro do café, e vou ter com ela."
COMENTÁRIOS DOS LEITORES
"Quarenta e duas pequenas histórias, algumas delas com endereço, onde se cruza a minúcia da memória com o voo livre da ficção. O tom é sensível e luminoso, a escrita absolutamente irrepreensível."
- Miguel
- Miguel
MARGARIDA LEITÃOMargarida Leitão nasceu em Angola, cresceu entre a cidade de Viseu e a aldeia da avó; aos dezoito anos mudou-se para Lisboa. Atualmente, partilha um apartamento na margem sul com três gatas e uma tartaruga. Participou em duas edições do Pixel – concurso de pequenas histórias lgbt, cuja coletânea foi publicada pela INDEX ebooks. Ganhou o gosto e começou a escrever contos. Foi pedindo títulos a amigos e ofereceu-lhes as histórias em formato de micronarrativa, não ultrapassando as 250 palavras. Publicou-as no seu blogue mas tu és tudo e tivesse um casa tu passarias à minha porta. Os amigos gostaram e incentivaram-na a continuar, tornando-se nos principais culpados pela edição deste seu primeiro livro.
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