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AMOR ENTRE SAMURAISIhara SaikakuAmor entre Samurais é uma seleção de contos homoeróticos de um dos mais populares autores do Japão no século XVII, Ihara Saikaku. Estes contos foram os primeiros textos de Saikaku a chegar ao Ocidente, na década de 1920, e, quase cem anos depois, são também os primeiros textos do autor a ser publicados em português. Edward Carpenter refere: “Como é possível justificar a negligência absoluta a que tem sido submetida esta literatura? A obra de Saikaku não pertence apenas à história da literatura, mas é também uma mina de informações sobre a história da cultura japonesa, que apenas pode ser ignorada por uma vontade de supressão deliberada da verdade [sobre a homossexualidade no Japão antigo].”
São pequenas histórias cândidas de paixões entre samurais e jovens pajens, que terminam frequentemente em haraquiri, de acordo com o código de honra dos tradicionais guerreiros japoneses. O amor retratado tem, surpreendentemente, dada a distância geográfica e temporal entre as duas culturas, muitas semelhanças com o amor grego, surgindo frequentemente a figura tutelar do homem mais velho, que ama, aconselha e educa o jovem por cuja beleza se apaixona. Surpreendente é, também, a descoberta de que a frieza marcial e assassina que nos habituámos a associar aos míticos samurais japoneses escondia um amor viril de uma ternura inesperada. |
INTRODUÇÃO
A palavra japonesa nanshoku era utilizado no Japão antigo para designar o sexo entre homens. As referências escritas ao “amor entre homens” no Japão surgem pela primeira vez em diversos diários pessoais do período Heian, do século VIII ao XII, e também em obras literárias, nomeadamente no clássico O Conto de Genji, do início do século XI, onde os personagens masculinos se sentem frequentemente atraídos pela beleza dos rapazes. Durante o período Tokugawa, alguns deuses Shinto, especialmente Hachiman, Myoshin, Shinmei e Tenjin, passaram a ser considerados divindades guardiãs do nanshoku. As relações nanshoku nos mosteiros budistas eram de carácter pederástico: os parceiros mais velhos (nenja, admiradores ou amantes), seriam monges ou sacerdotes, ao passo que os mais novos seriam acólitos (chigo), rapazes pré-pubescentes ou adolescentes. Para garantir a seriedade da relação, os nenja poderiam ser obrigados a escrever um voto formal de fidelidade. Nos círculos militares, era habitual que os rapazes em idade wakashū (entre os 10 e os 20 anos) aprendessem com homens adultos as artes marciais, a etiqueta da guerra e o código de honra dos samurais. Os samurais poderiam, se os seus aprendizes permitissem, tomá-los como seus amantes.
Estas relações amorosas, em mosteiros, palácios e quartéis, evoluíram para um quadro de aceitação da homossexualidade com base num sistema de regras de idade que ficou conhecido por shudō, o "caminho dos rapazes". Os nenja eram vistos como ativos e penetradores, ao passo que os wakashū seriam sexualmente recetivos e submissos, por amor e lealdade, mais do que por desejo sexual. Eram relações consideradas honrosas e benéficas para ambas as partes, que juravam ser fiéis e ajudar-se mutuamente em questões de honra e outras disputas. Embora se esperasse que o sexo entre o casal cessasse com a passagem do rapaz à idade adulta, as relações de amizade prolongavam-se frequentemente até à morte. Com a pacificação da sociedade japonesa, as classes médias adotaram as práticas sexuais dos samurais e, no caso do shudō, deram-lhe uma interpretação mais mercantil. Surgiram os jovens prostitutos masculinos (kagema), frequentemente associados ao teatro kabuki, que serviam uma clientela masculina e feminina, sendo alguns deles tão famosos e aclamados como as modernas estrelas de cinema. Pelas ilustrações e textos literários que nos chegaram, julga-se que o nanshoku não impediria relações heterossexuais, pelo que tantos os adultos como os jovens rapazes seriam, na terminologia moderna, bissexuais. Os homens puramente homossexuais seriam "inimigos das mulheres" (onna-girai), embora esta designação fosse conotada com um distanciamento em relação às mulheres em todos os contextos socias, mais do que com a simples preferência por parceiros masculinos.
Com o início do período Tokugawa, a partir de 1603, o Japão experimentou a paz e um desenvolvimento económico e social acelerado. Surgiu então uma população urbana, de mercadores, artesãos e funcionários, com capacidade financeira e vontade para apreciar a arte e a cultura. Era um mundo onde a moda, a elegância e a estética eram altamente valorizados, onde se procurava o divertimento e o prazer, no teatro, na literatura e na pintura, mas também no sexo… um novo mundo que ficou conhecido como ukyio, o “mundo flutuante.” Foi neste ambiente que, segundo A. M. Janeira, “os textos de Saikaku, Kiseki e Ikku, todos autores de origens modestas, introduziram um novo género literário que se debruçava sobre as alterações sociais em curso. A sua literatura era desprezada pelos escritores oficiais da época, que se mantinham agarrados às estéreis tradições clássicas. Mas este novo género impôs-se e as suas criações estão entre o que de melhor foi produzido pelo génio japonês nos séculos seguintes.” Nessa época, florescia na Europa o romance picaresco, com os seus heróis aventureiros e populares, normalmente de classes baixas, que, pela sua esperteza e agilidade mental, ultrapassavam os inúmeros desafios e contratempos que lhe eram colocados no seio de uma sociedade decadente e corrupta. É ao picaresco que A. M. Janeira compara este novo género literário do “mundo flutuante” japonês, afirmando que ainda é mais revolucionário: “Pela primeira vez na literatura japonesa, as classes baixas forneciam os personagens e a atmosfera social dos romances. (…) Será provavelmente o único caso na história em que encontramos um romance intelectual, criado pelo povo, e não inspirado no folclore, como acontece normalmente.”
Estas relações amorosas, em mosteiros, palácios e quartéis, evoluíram para um quadro de aceitação da homossexualidade com base num sistema de regras de idade que ficou conhecido por shudō, o "caminho dos rapazes". Os nenja eram vistos como ativos e penetradores, ao passo que os wakashū seriam sexualmente recetivos e submissos, por amor e lealdade, mais do que por desejo sexual. Eram relações consideradas honrosas e benéficas para ambas as partes, que juravam ser fiéis e ajudar-se mutuamente em questões de honra e outras disputas. Embora se esperasse que o sexo entre o casal cessasse com a passagem do rapaz à idade adulta, as relações de amizade prolongavam-se frequentemente até à morte. Com a pacificação da sociedade japonesa, as classes médias adotaram as práticas sexuais dos samurais e, no caso do shudō, deram-lhe uma interpretação mais mercantil. Surgiram os jovens prostitutos masculinos (kagema), frequentemente associados ao teatro kabuki, que serviam uma clientela masculina e feminina, sendo alguns deles tão famosos e aclamados como as modernas estrelas de cinema. Pelas ilustrações e textos literários que nos chegaram, julga-se que o nanshoku não impediria relações heterossexuais, pelo que tantos os adultos como os jovens rapazes seriam, na terminologia moderna, bissexuais. Os homens puramente homossexuais seriam "inimigos das mulheres" (onna-girai), embora esta designação fosse conotada com um distanciamento em relação às mulheres em todos os contextos socias, mais do que com a simples preferência por parceiros masculinos.
Com o início do período Tokugawa, a partir de 1603, o Japão experimentou a paz e um desenvolvimento económico e social acelerado. Surgiu então uma população urbana, de mercadores, artesãos e funcionários, com capacidade financeira e vontade para apreciar a arte e a cultura. Era um mundo onde a moda, a elegância e a estética eram altamente valorizados, onde se procurava o divertimento e o prazer, no teatro, na literatura e na pintura, mas também no sexo… um novo mundo que ficou conhecido como ukyio, o “mundo flutuante.” Foi neste ambiente que, segundo A. M. Janeira, “os textos de Saikaku, Kiseki e Ikku, todos autores de origens modestas, introduziram um novo género literário que se debruçava sobre as alterações sociais em curso. A sua literatura era desprezada pelos escritores oficiais da época, que se mantinham agarrados às estéreis tradições clássicas. Mas este novo género impôs-se e as suas criações estão entre o que de melhor foi produzido pelo génio japonês nos séculos seguintes.” Nessa época, florescia na Europa o romance picaresco, com os seus heróis aventureiros e populares, normalmente de classes baixas, que, pela sua esperteza e agilidade mental, ultrapassavam os inúmeros desafios e contratempos que lhe eram colocados no seio de uma sociedade decadente e corrupta. É ao picaresco que A. M. Janeira compara este novo género literário do “mundo flutuante” japonês, afirmando que ainda é mais revolucionário: “Pela primeira vez na literatura japonesa, as classes baixas forneciam os personagens e a atmosfera social dos romances. (…) Será provavelmente o único caso na história em que encontramos um romance intelectual, criado pelo povo, e não inspirado no folclore, como acontece normalmente.”
Estátua de Ihara Saikaku
(Templo de Ikukunitama, Osaka) Foto de Yanajin33 licenciada via Wikimedia Commons |
IHARA SAIKAKUIhara Saikaku (1642-1693) foi um poeta e romancista japonês, um dos autores mais importantes da literatura japonesa do século XVII, extremamente popular entre os leitores pelas suas descrições irónicas e atrevidas da vida amorosa e financeira dos seus personagens, elevando o romance picaresco japonês, segundo Janeira, “à sua mais alta expressão.”
Obras do autor: A Vida de um Homem Amoroso (1682), A Vida de uma Mulher Amorosa (1682),O Grande Espelho do Amor Masculino (1687), Histórias de Honra de Samurais (1688), e outras. |