Clássicos de Literatura Gay
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VERSOS FANCHONOS,
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EXCERTO DA INTRODUÇÃO
Na sua esclarecedora e informada Introdução, Fernando Curopos afirma: "Ora, se o poeta satírico António Lobo de Carvalho (1730-1787) já notava em pleno século XVIII que «perdeu tanto a voga o pobre cono / que até certo taful viu em Lisboa / gato sodomita e cão fanchono”, o certo é que a partir da segunda década do século XIX, como em outras grandes capitais europeias, emerge em Lisboa uma comunidade homossexual nitidamente visível e com uma «consciência coletiva de si». Essa visibilidade vai também dar lugar a uma proliferação de vocábulos para designar esses dissidentes sexuais. Ao termo bíblico, sodomita, já tinha sido acrescentado no século XVI o lexema fanchono (do italiano «fanciullo»), desdobramento do termo puto, sendo que a etimologia de ambos vocábulos designava uma mesma realidade, a de um rapaz pré-adolescente. No entanto, se o termo puto designa sempre o jovem «paciente» nos atos homossexuais, sendo o fanchono o adulto «agente» da relação erótica, atualização moderna do binómio erastes/eroménos, o certo é que nem todos os fanchonos tinham contactos sexuais com jovens adolescentes, pois muitos deles preferiam a companhia de homens muito mais crescidos (...) A partir de meados de oitocentos, os termos eruditos sodomita e pederasta começam a ser suplantados por outros lexemas, reflexo de uma mudança na sociedade. Com a extinção gradual da Inquisição ao longo do século XVIII e a sua extinção definitiva em 1821, não só a subcultura homossexual como também a sua representação literária ganham em visibilidade na capital portuguesa. Embora exageradas, as referências à homossexualidade masculina na literatura e paraliteratura coeva não deixam de ser o reflexo de uma realidade social. Sendo doravante as perseguições menos apertadas, os engates homossexuais passam a ser mais óbvios, os espaços de prostituição e de consumo sexual multiplicam-se, o «drag» e o «camp» ganham asas."
EXCERTO
SONETO
Ó sacana milord e aristrocrata, Que andas pelos cafés de noite e dia, Que jogas o bilhar com bizarria, Fumando com desdém, feito frescata: O teu porte-monnaie abunda em prata, Traz em ouro também grossa quantia, Pois fazes a sarambaia à fidalguia, E não à gente de algibeira chata. Barões, condes e duques e marqueses Em macios sofás te engolem cru, Chamando-te menino muitas vezes: A punheta a libra fazes tu, E, se acaso os fanchonos são fregueses, Aceitas uma peça, e dás o cu. -- Anónimo, Cancioneiro do Bairro Alto, Cadiz, s.n., 1876. |
AS DUAS CONFIDENTES (excerto)
A criada seguiu e o barão, abrindo de mansinho a porta do quarto de sua mulher, entrou. Estava deserto. Nem um indício comprovativo! Lá dentro, na sala de banho, havia um cochichar suspeito, entremeado de risadinhas a furto, e de beijos que, pelo contrário, cantavam sonoramente. O caso embrulhava-se, e parece que o sonho ia sair certo. O barão sentia já a bipartir-se-lhe e erriçar-se-lhe o cabelo no alto da fronte... Muito pálido e muito nervoso, enfiou pelo corredor que levava ao quarto de banho. Desviou muito ao de leve uma beira do reposteiro... E ficou maravilhado. Os seus olhos deram com um formoso grupo que parecia talhado em mármore. A baronesa Octaviana e a sua íntima amiga Berta – as duas confidentes – como duas estátuas de carne, deixavam-se arrefecer antes de mergulhar na piscina, de junto às pedras artificiais com vegetação ornamental, que aformoseavam o vestíbulo da casa de banho. Estiveram um momento entreolhando-se, depois caíram sofregamente nos braços uma da outra. E num abraço vertiginoso, ao cantar dos beijos sobre as carnes nuas, rebolaram pelo tapete, nevróticas, numa espécie de luta, roçando a epiderme cetinosa num saracoteio de quadris, duma volúpia infinita, até que um como estertor languescente lhes fez colar os lábios num espasmo inenarrável. Depois... atiraram-se à piscina. – E era a Berta! Fez o barão num desabafo comprido para não ser descoberto. – Antes assim! Safa! Que um marido não ganha para sustos! -- Petronius (pseud.), As Duas Confidentes, Bibliotheca reservada n° 16, Ilha dos Amores (Lisboa), Amor & Psyché Editores, s.d. |
fERNANDO CUROPOS
Fernando Curopos é professor auxiliar com provas de agregação na universidade Sorbonne Université. Autor de António Nobre ou la crise du genre; L’Émergence de l’homosexualité dans la littérature portugaise (1875-1915); Queer(s) périphérique(s): représentations de l’homosexualité au Portugal (1974-2014); Lisbonne 1919-1939: des Années presque Folles. Codirigiu, com Maria Araújo da Silva, o volume Paris, Mário de Sá-Carneiro et les autres. A sua pesquisa tem incidido sobre questões de género, sexualidade e assuntos queer na literatura portuguesa finissecular, modernista e contemporânea. Tem trabalhado sobre cinema português numa perspetiva crítica LGBTQ.
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