Clássicos de Literatura Gay
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Os Jogos Lésbios
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EXCERTO
CAPITULO I.
AS DUAS VIRGENS (...) Soou meia-noite no velho carrilhão do mosteiro. Os dormitórios estavam em trevas, e o silêncio que neles reinava era apenas interrompido por esses quadrúpedes roedores daninhos correndo pelos forros, ou por esses insetos roedores da madeira, infatigáveis na sua missão destruidora. Mas também veio alterar um pouco o silêncio solene da meia-noite o ligeiro gemido de uma porta, descerrada a furto... Era a da cela de Joaninha. — Sou eu, Joaninha, disse aquela que entrava. Já estás deitada?... — Já; mas esperava-te... Queres que acenda luz?... — Não, poderiam apercebê-la por baixo da porta. Judite, pé ante pé, com os braços estendidos, encontrou finalmente o catre; e curvando-se sobre o rosto de Joaninha, beijou-a nos lábios, dizendo depois: — Deito-me também?... — Oh! filha! não seria mais prudente escutar-me primeiro?... — O que é prudente, Joaninha, é segredarmos tão próxima uma da outra, que nem os ratos se apercebam do que nos temos a dizer. Despiu-se em seguida, deitando-se junto da outra virgem, que enlaçou contra o coração. — Fala agora, Joaninha, disse ela. — Falarei, Judite, mas juras-me guardar o mais rigoroso segredo? — Pela salvação da minha alma to juro, minha linda Joaninha. — Presta então atenção, Judite. — Estou atenta, minha filha. — Olha, nunca ouviste a célebre história da transformação de Maria Germain? — Não. — Em Vitry?... — Onde é Vitry, Joaninha? — Vitry é uma cidade de França, a quatro léguas ao noroeste da cidade de Arras, capital do departamento de Pas-de-Calais... — Bem, bem, vamos à história. — Maria Germain, era, como disse, natural de Vitry, tinha 16 anos, e nunca ninguém se lembrou de pôr em dúvida o seu sexo; mas eis senão quando, num dia em que deu um grande salto para atravessar uma vala, se mudou em homem! — Oh! que caso tão ratão! Mas isso não pode ser, Joaninha! — Tanto pode ser que até estava muito em voga entre as raparigas daquela região uma cantiga em que se lhes recomendava não dessem saltos, nem abrissem muito as pernas, para que lhes não sucedesse metamorfosearem-se em rapazes como Maria Germain. — Mas quando assim tenha sucedido, que temos nós com tal facto?... — Escuta um outro fenómeno. — Vamos a ele. |
— Conta-se que uma freira espanhola, chamada Madalena Muñoz, depois de ter passado sete anos no convento, viu-se de repente convertida em homem. Divulgada a sua metamorfose, foi ela posta fora do convento, com ordem expressa de ir para um outro de frades. Rebatizaram-na com o nome de Francisco Muñoz; mas um caso de consciência suscitou grave discussão entre os eclesiásticos — tratava-se de saber se os votos feitos por Madalena obrigavam Francisco a ser frade. Diversos teólogos foram nomeados para dar o seu parecer sobre esta questão, e decidiram-na, felizmente, a favor de Francisco Muñoz, que manifestara a intenção de casar-se. — Digo, como há pouco; mas que temos que ver com tal caso, Joaninha?... — Temos a ver tudo, já que o que sucedeu a Maria Germain e à freira Madalena Muñoz também a mim aconteceu na ocasião em que eu, enlevado pela tua formosura, fascinado pelos segredos do teu corpo desvendado, presa de um fogo que me devorava, me preparava fundir o meu no teu corpo e devorar-te os lábios com beijos... Mas, ai de mim! apercebendo-me da metamorfose por que o meu corpo estava passando, tive a triste coragem de repelir as tuas carícias, fugindo espavorido para a minha cela. Ai! Judite! depois, esmagado pelo terror; sempre apavorado, tenho sofrido transes mortais!... Que fazer?... Dever-me-ei denunciar ou guardar segredo?... No primeiro caso, terei eu a dita de Francisco Muñoz, encontrando teólogos que opinem pela anulação do voto, ou serei condenado a viver e morrer num convento de frades? No segundo, terei eu a força bastante para repelir as tentações que me cercam, vindo talvez por último a ser vítima da desgraça que me apavora, denunciando-me?... Que fazer, pois, Judite, que fazer?... Judite, escutando as confidências de Joaninha, sentia que o seu corpo estava sendo sacudido por repelões voluptuosos e que um desfalecimento, suave, por último, a privava da voz. Depois, quando interpelada por aquela, e no momento em que estava ainda saboreando os efeitos da excitação venérea em que a confidência a engolfara, mal teve voz para dizer-lhe, conchegando-a bem ao coração e colando os lábios aos lábios dela — amo-te... *** E, depois, o silêncio majestoso e solene da meia-noite era apenas interrompido pela brincadeira dos roedores daninhos, percorrendo os forros do mosteiro, pelo caruncho roedor ou pelos beijos voluptuosos que ecoavam na cela da feliz metamorfoseada. |