Clássicos de Literatura Gay
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O Bispo de Beja e AfinsFernando Curopos
Poucos meses antes da proclamação da República, os republicanos aproveitam o escândalo do bispo de Beja, acusado de ter feito “propostas desonestas, de natureza homossexual” a dois padres locais, para promoverem a causa anticlerical e antimonárquica. Santos Vieira, um editor panfletário, lança, sob o pseudónimo de Homem-Pessoa, uma sátira em versos fesceninos, O Bispo de Beja, na qual expõe a suposta vida “depravada” e contranatura de D. Sebastião, acusando o governo monárquico de encobrir o caso. Ao longo dos anos seguintes, irão proliferar caricaturas e historietas brejeiras acerca da suposta homossexualidade do bispo. Como afirma Fernando Curopos, “além de se inscrever nessa luta política, a circulação de O Bispo de Beja não deixa de ser relevante para a história da homossexualidade em Portugal. Com efeito, participará da difusão dos termos “homossexual” e “homossexualidade” no discurso social português” ao mesmo tempo que contribui para o “reacender da homofobia política nos primórdios da República.”
Nesta coletânea que agora se publica, Fernando Curopos reúne o opúsculo de Homem-Pessoa a dois outros textos satíricos da época sobre o bispo de Beja e a Uma Ceia Alegre (1908), uma paródia à Ceia dos Cardeais (1902) de Júlio Dantas, para nos dar um panorama do manancial de literatura anticlerical e homofóbica clandestina que circulava em Portugal e no Brasil no início do século XX. |
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EXCERTO DA INTRODUÇÃO

Todavia, poucos meses antes da proclamação da República, as investidas passam a ser frontais, visando um alto dignitário da igreja portuguesa, D. Sebastião Leite de Vasconcellos (1852-1919). Este padre zeloso e inovador da diocese do Porto é nomeado bispo da cidade de Beja em 1907, tomando posse do novo cargo no ano seguinte. Começa então uma luta cerrada entre o bispo e dois padres que dirigem o seminário da cidade alentejana, os “irmãos Ançã”, acusados pelos seminaristas de maus tratos. D. Sebastião demite “José Maria e Manuel Ançã, sem o beneplácito do governo” para apaziguar a situação no seminário e por ambos levarem uma vida pouco condizente com as suas funções eclesiásticas:
Este presbítero (o padre José Maria Ançã), a quem Nós dissemos com a maior caridade (!) que não podia continuar a ser vice-reitor do seminário pelo motivo da revolta do seminário e, como insistisse connosco, para continuar em tal lugar, lhe dissemos que pela sua vida irregular e escandalosa o não podia exercer, e que não teve dúvida em dizer-Nos que tinha um só filho, e que seu irmão (o padre Manuel Ançã), que vive escandalosamente com uma concubina, é que tinha dois.
Demitidos, os padres acusam o bispo de ilegalidade. A polémica azedou e “o primogénito (poeta erótico nas horas vagas) […] replicou que D. Sebastião lhe fizera propostas desonestas, de natureza homossexual”. Os republicanos tiram logo proveito do caso para lançarem boatos acerca da vida íntima do bispo (cf. imagem n.º 3), atacando assim a Igreja.
Para acirrar a contenda, o editor Santos Vieira, escritor panfletário anticlerical, lança, sob o pseudónimo de Homem-Pessoa, uma sátira em versos fesceninos, O Bispo de Beja, na qual expõe a suposta vida “depravada” e contranatura de D. Sebastião. O folheto é publicado clandestinamente pouco meses antes da Proclamação da República e reeditado logo a seguir. No seu opúsculo, o autor acusa o governo monárquico de encobrir o caso e escreve uma carta acusadora ao “Ministro da Justiça e Negócios e Sodomia Eclesiásticos”, numa subversão satírica das cartas enviadas pelo Bispo ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos nos anos 1908 e 1909, antes e depois do processo-crime que correu no Tribunal Eclesiástico da diocese de Beja, em novembro de 1909, contra o reverendo Manuel Ançã:
Alvitro que se faça exame patológico / Na pessoa do chefe episcopal de Beja, [...]. Melhor do que ninguém um médico é que deve / Constatar se é verdade o que diz o Ançã: [...] Se ele o ânus tiver infundibuliforme, / Se tiver abertura involuntária, enorme, / Do orrificium ani e incontinência alvina [...] e se mostrar a ausência / De pregas radiais e a degenerescência / Do esfíncter, por atónito e relasso, / É, certo, um pederasta, um nojento devasso.
Este presbítero (o padre José Maria Ançã), a quem Nós dissemos com a maior caridade (!) que não podia continuar a ser vice-reitor do seminário pelo motivo da revolta do seminário e, como insistisse connosco, para continuar em tal lugar, lhe dissemos que pela sua vida irregular e escandalosa o não podia exercer, e que não teve dúvida em dizer-Nos que tinha um só filho, e que seu irmão (o padre Manuel Ançã), que vive escandalosamente com uma concubina, é que tinha dois.
Demitidos, os padres acusam o bispo de ilegalidade. A polémica azedou e “o primogénito (poeta erótico nas horas vagas) […] replicou que D. Sebastião lhe fizera propostas desonestas, de natureza homossexual”. Os republicanos tiram logo proveito do caso para lançarem boatos acerca da vida íntima do bispo (cf. imagem n.º 3), atacando assim a Igreja.
Para acirrar a contenda, o editor Santos Vieira, escritor panfletário anticlerical, lança, sob o pseudónimo de Homem-Pessoa, uma sátira em versos fesceninos, O Bispo de Beja, na qual expõe a suposta vida “depravada” e contranatura de D. Sebastião. O folheto é publicado clandestinamente pouco meses antes da Proclamação da República e reeditado logo a seguir. No seu opúsculo, o autor acusa o governo monárquico de encobrir o caso e escreve uma carta acusadora ao “Ministro da Justiça e Negócios e Sodomia Eclesiásticos”, numa subversão satírica das cartas enviadas pelo Bispo ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos nos anos 1908 e 1909, antes e depois do processo-crime que correu no Tribunal Eclesiástico da diocese de Beja, em novembro de 1909, contra o reverendo Manuel Ançã:
Alvitro que se faça exame patológico / Na pessoa do chefe episcopal de Beja, [...]. Melhor do que ninguém um médico é que deve / Constatar se é verdade o que diz o Ançã: [...] Se ele o ânus tiver infundibuliforme, / Se tiver abertura involuntária, enorme, / Do orrificium ani e incontinência alvina [...] e se mostrar a ausência / De pregas radiais e a degenerescência / Do esfíncter, por atónito e relasso, / É, certo, um pederasta, um nojento devasso.
EXCERTO
Uma Ceia Alegre
(Paródia à Ceia dos Cardeais) FIGURAS Cardeal Pipia, sujeito com voz de mulher. Cardeal Bufo, tipo com fumaças de valente. Cardeal de Vigny, sujeito de modos aristocráticos. === EM ROMA Uma sala com luxo e elegância, com uma estante de música e instrumentos vários. === Cardeal Pipia, Cardeal Bufo, Cardeal de Vigny, sentados à mesa, ceando. (Os fâmulos servem-nos de joelhos) |
Cardeal Bufo Vem então amanhã o embaixador francês? É preciso acabar com isto duma vez. A França é um país que em tudo se intermete. Um sujeito qualquer da terra do minete Vem abusar de nós com lérias e com tretas. Ora deixe-se disso e vá fazer punhetas. Cardeal De Vigny E Roma o que é então? É uma santa gente? É onde uns figurões se enrabam mutuamente. Têm os vícios fatais de Sodoma e Gomorra, E quer dar leis ao mundo assim!... Olha que porra! Sabe dos Cardeais que, postos em fileira, Gozavam todos três levando na traseira? Foi um escândalo tal no velho Vaticano Que aos ouvidos chegou do papa soberano. O papa respondeu… Ele é de censurar… Mas o que está no meio… ai… muito há de gozar!... Vejam lá se na França existe esse deboche! A França é grande em tudo. Cardeal Bufo Até em fazer broche. |