Clássicos de Literatura Gay
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OS SERÕES DO CONVENTO
Em três noites, as freiras de um convento português divertem-se ao serão a contar onze narrativas eróticas, cuja finalidade é mais que criar uma “perfeita intimidade” entre elas: no final do primeiro serão, na cela de Soror Teresa de Jesus, as freiras saem aos beijos em casais ou trios, dirigindo-se às suas celas.
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EXCERTO DO PREFÁCIO
Segundo os autores do prefácio, Helder Thiago Maia e Mário César Lugarinho, "no caso de 'Os Serões do Convento', podemos dizer que a primeira comercialização do livro não acompanhou a liberdade experimentada pelos seus personagens. Enquanto a narrativa está marcada, em grande parte, por uma desterritorialização das normatividades de género e sexualidade, a forma de comercialização do livro, dentro da categoria 'romance para homens', não só indicava o conteúdo erótico da obra, como também sugeria uma limitação do público ao qual o gozo da leitura estava destinado. (...) Essa prateleira/categoria literária, no entanto, foi responsável pelas primeiras representações conhecidas, em português, de dissidentes de género e de sexualidade. Foi assim que, sob o signo da libertinagem e/ou da patologização, surgiram os primeiros personagens que se relacionam sexualmente e/ou afetivamente com personagens do mesmo género, assim como também aparecem personagens que transgridem as normatividades de gênero. Dessa forma, 'Os Serões do Convento' é também parte da historiografia literária LGBT brasileira e portuguesa, por apresentar personagens dissidentes, especialmente mulheres cisgéneras que se envolvem sexo-afetivamente com outras mulheres cisgéneras, assim como personagens que transitam entre a masculinidade e a feminilidade, ainda que seja com interesses principalmente sexuais."
EXCERTO
O Sr. Teodoro não percebia nada; foi-lhe enchendo copinhos de licor, uns atrás de outros, a ver se por aquele meio o tornava mais explícito; ofereceu-lhe os seus serviços como negociante e natural da terra; permitiu-se elogiar a gentileza e as excelências de Florença, de que nada sabia. A lisonja triunfou; triunfa sempre. O Sr. Giovanni Nadalini, levantando-se, o convidou a saírem juntos; deu-lhe o braço, como quem tinha simpatizado com ele, encaminhou-o para o Passeio Público, onde ainda não andavam passeantes; sentou-se com ele à sombra das árvores, e lhe disse:
— Senhor meu, sei pelo seu nome, pela sua cara e pelo moço do botequim, que é um sujeito capaz. Vou satisfazer a sua curiosidade. O Criador (antes de tudo devo advertir que eu sou um filósofo) deu a cada indivíduo, como a cada região do globo, os seus dotes particulares; uma terra é para trigo, outra para bananas, outra para diamantes. Há homens que vivem da medicina, outros do comércio, outros da mecânica. Nesta cidade andam patrícios meus, que mostram o tuto il mundo, outros um macaco, outros a sua prenda de dançarino. Eu vivo inteira e exclusivamente de uma peça magnífica com que a natureza me brindou e que o meu alfaiate me escondeu. |
— Como?! — perguntou o Sr. Teodoro, — visto isso, há mulheres que paguem...
— Que paguem mesmo o gosto de unicamente verem uma bela peça como a que eu possuo e vos mostraria se vos não quisesse envergonhar. Aqui tendes a minha indústria; não tenho outra, nem a preciso, nem a desejo; bem vedes que não há uma profissão mais inocente. As senhoras que desejam admirar o poder da omnipotência, veem, contemplam, e saem dali tão puras como entraram, formando de mim uma ideia igualmente vantajosa quanto ao moral e quanto ao físico, e talvez muito mais piedosas no fundo do coração. — Mas como vos ocorreu a lembrança de fazerdes de semelhante coisa o vosso morgado? — A lembrança verdadeiramente não foi minha. Uma improvisadora napolitana, com que eu tive relações íntimas, foi quem me disse uma vez, no seu entusiasmo, empunhando com ambas as mãos o meu instrumento e beijando-o antes de se servir dele: “Quem possui isto é o ente mais feliz do mundo. Não haveria mulher que só pelo encanto de o ver não desse todas as suas joias. Ver Nápoles e depois morrer, diz o nosso rifão; e eu digo: ver-te nu e depois morrer.” - excerto da história Um Italiano que Vive da sua Prenda |
Retrato na Biblioteca Nacional de Portugal (foto em domínio público, aqui).
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JOSÉ FELICIANO DE CASTILHO
José Feliciano de Castilho Barreto e Noronha (Lisboa, 4 de Março de 1810 - Rio de Janeiro 11 de Março de 1879) foi um jornalista, escritor e advogado português.
Algumas obras do autor: Os Estudantes de Coimbra, ou Um Fidalgo como há muitos (comédia em cinco actos, 1827), O Grito da Liberdade (Paris, 1830), Cartas de Manuel Pequeno ao seu Companheiro Artilheiro (Lisboa, 1836), Arte de Ser Amado (Lisboa, 1837), Unde Salus? Considerações Políticas (Porto, 1851), Íris Clássico (Lisboa, 1859), Ortografia Portuguesa (Rio de Janeiro, 1860), Os Serões do Convento (atribuído, Lisboa, 1862) e outras. |