À SOMBRA DA CASA AZULBreve Itinerário de Vida
Paulo Azevedo ChavesQuando vi Paulo pela primeira vez, na sua torre de marfim da rua Barão de São Borja, eu soube que seríamos amigos. Ele era a ousadia e a cultura refinada que esta cidade não assimilou, um dandy dos trópicos, o Gay Sunshine de uma Mauristaadt sodomita nos becos e repressora nas casas de família.
As lembranças que aqui são contadas não abarcam todas as ricas experiências de uma vida errante, algo de playboy e cigano irresponsável. Mas uma vida cheia de charme, of course. Tampouco traça um panorama linear do que foi a arte pernambucana nos anos 70 e 80 — anos em que Paulo, no Diário de Pernambuco, comentou, divulgou e ajudou artistas locais e de outros estados. À Sombra da Casa Azul surge como flashes, desabafo, o explícito de um sexo para sempre condenado ao profano. - Raimundo de Moraes |
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EXCERTO
Edmée Kingsmill, Londres, 1955
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Depois de um ano de estudos na École Lemania, fui passar uma temporada na Inglaterra para aprender o inglês. E lá fui eu, curioso e lampeiro, para a Londres de Conan Doyle, Agatha Christie, William Blake e William Shakespeare.
Na capital inglesa, aluguei um pequeno flat em South Kensington Road, numa região muito chique da cidade. Isso foi em 1955 e eu estava então com 19 anos. No prédio tinha como vizinha Edmée Kingsmill, modelo fotográfico e garota de programa, como vim a saber mais tarde. Rolls Royces e Bentleys paravam, à noite, em frente ao prédio e ela saía na companhia de senhores grisalhos e bem vestidos. Edmée era bissexual e tinha uma namorada loura e bonita como ela. Quando não saía com os coroas e sua namorada não estava presente, Edmée me chamava para jantar em seu flat, à luz de velas e ao som de música erudita. Nessas ocasiões eu levava uma garrafa de vinho tinto francês para nossa farra a dois. Uma noite, meio bêbada, me atacou e tiramos nossas roupas. Infelizmente, falhei. E foi então que ela disse uma frase, talvez tirada de um poema, e que eu jamais esqueci: “Pare, não mais; já não é tão doce agora como foi antes!”. Que fracasso! O pai de Edmée era escritor de algum sucesso na época. Provavelmente mais um desses que se atribuem qualidades literárias que na verdade não têm ou têm em doses escassas. O tempo é a cura para essa embriaguez momentânea em relação à própria dimensão literária. A ressaca é o reconhecimento por parte dessas pessoas de que tudo não passava de “sonho de uma noite de verão”. E essa constatação amarga às vezes chega no próprio curso de suas vidas. Seria bom que os milhares de poetas que proliferam como ratos aqui em Pernambuco atentassem para isso: 90% deles vivem o “sonho de uma noite de verão”, mesmo os mais cortejados e incensados por seus contemporâneos. Que se preparem, pois, para o esquecimento geral de suas obras e até mesmo de seus nomes. Sic transit gloria mundi. |
pAULO AZEVEDO CHAVESAdvogado, jornalista e poeta, assinou no Diário de Pernambuco, nos anos 70/80, a coluna cultural Poliedro e, de meados dos anos 80 até 1993, a coluna Artes e Artistas, especializada em artes plásticas.
Livros publicados: Versos Escolhidos (1982), Trinta Poemas e Dez Desenhos de Amor Viril (1984), Nu Cotidiano (1988), Os Ritos da Perversão (1991), Nus (1991), Réquiem para Rodrigo N (2011), Poemas Homoeróticos Escolhidos (em parceria com Raimundo de Moraes, 2012) e Os Ritos da Perversão e Outros Poemas (2012). |